Era o vigésimo ano do Governo Correto. O Imperador de Jade Amarelo se regozijava em seu trono de ouro. Em um dia como tantos, das areias do deserto de Gobi, chegou um viajante com as vestes gastas, deteve-se ante o muro dos espíritos e contemplou os dezesseis dragões imperiais. Depois avançou entre as impecáveis colunas lisas e poligonais e solicitou que o levassem até a presença do Magnífico Imperador.
O ilustre Filho do Céu permitiu ao viajante se deleitar com sua presença, porque era orgulhoso e estava satisfeito com sua fama de misericordioso. O estranho ancião foi encaminhado para a ampla sala. Realizou as respeitosas reverências indicadas no ritual chinês, percorreu com o olhar os dezoito trípodes e por último observou o Dono das Cinco Regiões dizendo:
– Viajei pelo Reino do Norte, pelo Reino do Leste, pelo Reino do Sul, pelo Reino do Oeste e pelo Reino Médio. Todos te pertencem, oh, Grande Imperador. Mas após essa longa viagem, encaminhei-me ao zênite e por direito próprio converti-me em rei de mim mesmo. Então, aprendi a observar a flor que se abre ao sol e o voo dos pássaros. Aprendi a não desejar, a não planejar, a não me projetar ao exterior, a permanecer em mim mesmo e me converti no Imperador do Infinito.
O excelentíssimo Governador do Império Celeste mexeu-se intranquilo em seu trono sem poder ocultar seu desgosto. Compreendeu, nesse instante, que o velho possuía um império mais vasto que o seu. Sua mente se movimentou aceleradamente, como as lavas de um vulcão, como uma violenta tormenta de areia.
O Filho do Céu, o Imperador dos Cinco Elementos, pensou na sua fama. “O que será de mim quando os homens conhecerem o poder deste velho... Ainda que não seja o dono de um Império Infinito, sua atitude é comprometedora, e se suas ideias se espalharem, não mais me temerão”, pensou. O que fazer? Por fim, a mão fina e aristocrática fez um leve sinal. A Guarda Imperial se mobilizou e o ancião foi feito prisioneiro e executado naquele mesmo dia. Enquanto os soldados o arrastavam, deu um último olhar de compaixão ao poderoso Governador e aprofundou-se no seu silêncio interior.
Morreu sem sequer dar um grito, e somente uma mancha de sangue foi a testemunha de uma vida que se afastava.
À noite, depois de passear pelo jardim e contemplar a lua crescente refletida no lago, o Senhor do Império Médio se dedicou ao descanso. De repente, observou uma torrente de sangue que se deslizava por baixo da porta. O ilustríssimo Governador da China levantou-se rapidamente, como um raio tremendo em seu coração. Antes que pudesse gritar, da mancha de sangue elevou-se uma névoa que formou uma estrutura diferenciada e na qual o Imperador pode reconhecer... o velho viajante.
O velho sorriu com tristeza e disse:
– Honorável Senhor, não foste justo.
– Não, venerável ancião, eu não fui justo – respondeu com humildade. Seus joelhos tremiam, as mãos suavam e um nó parecia aninhar na sua garganta – mas quero que saibas que até então sempre fui justo.
– Ninguém te desafiou?
– Jamais – respondeu o Imperador com voz firme, recuperando-se do choque que lhe produzira a presença inesperada do velho.
– Meu governo se chama o Governo Correto. Admito que fui injusto por ter ordenado tua morte, mas amanhã irei ao Templo Ancestral e pedirei a meus antepassados a purificação por esse ato de impiedade.
– Ilustríssimo Imperador, cada um deve assumir suas próprias faltas e purificar-se a si próprio. Além do mais, senhor, nunca foste realmente justo. Todas tuas ações estão contaminadas.
– O que queres dizer?
– As tuas ações somente são boas em aparência.
– O que queres dizer, ancião?
– Tuas boas ações somente são boas em aparência.
– Como é possível? – perguntou atordoado.
– Oh, Filho do Céu! Tua intenção sempre foi egoísta. Com tuas ações procuras obter a fama do governante justo, mas nunca tiveste como objetivo o benefício de teu povo. Só estavas interessado em tua própria pessoa. Tu és superficial, egocêntrico e orgulhoso. Não és realmente bom. Com teus atos de aparente bondade buscavas beneficiar só a ti. Por isso ordenaste a minha morte. Teu coração não pode suportar a existência de alguém que seja livre, de alguém mais poderoso do que tu.
– Não compreendo, venerável ancião – disse mexendo a cabeça, com o olhar confuso – não consigo entender nem tuas palavras, nem tua presença.
– Talvez não queiras compreender, nobre Senhor. Eu era o encarregado de te revelar os mistérios do céu e de te dar o néctar da instrução. Não permitiste que eu cumprisse com meu dever... Agora não poderás cumprir corretamente o teu dever.
Uma nova luz espalhou-se pelo aposento real.
– Agora compreendo meu erro – confessou o Imperador – como poderei corrigir minha falta?
– Não será fácil, Senhor do Império Médio; não será fácil, Governador das Cinco Cores; não será fácil, Amo dos Cinco Animais Sagrados.
– Que devo fazer, Venerável Mestre? – perguntou num murmúrio. Ao pronunciar essas palavras, a voz do Imperador Celeste tremeu. Seus olhos negros se encheram de tristeza.
– Deves esquecer a tua fama, a tua condição, a tua glória. Deves ser tu mesmo. Cumprir teu dever, que é servir ao povo.
Ao dizer isso, a imagem do viajante começou a desvanecer-se, e o Imperador esqueceu sua glória, sua condição de aristocrata e gritou desesperado:
– Senhor, Mestre, preciso te ver.
– Aprenda a me ver em cada coisa. Eu estou em Tudo. Olhe minha forma verdadeira.
O Imperador das Cinco Regiões permaneceu atônito, contemplando a imagem do ser que havia reverenciado desde sua juventude. Diante dele estava Yu-Huang-Chang-Ti, o Supremo Imperador Augusto de Jade, o Senhor do Céu.
O sol avançava entre as nuvens quando o Imperador de Jade Amarelo acordou. Fez reunir na sala dourada todos os sábios conselheiros de seu reino e, ao narrar a causa de sua aflição, o mais velho lhe disse:
– Filho do Céu, vives dramaticamente centralizado na tua própria pessoa. Nosso venerado Yu-Huang-Chang-Ti, o Senhor do Céu, quer que te esqueças de ti mesmo e então ganharás o Império da Eternidade.
O Imperador de Jade Amarelo sorriu feliz e abriu suas portas interiores ao altruísmo. Então iniciou o Ano Primeiro do Governo Perfeito.
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